quinta-feira, 4 de julho de 2013

Cigarro Aceso No Braço

 

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Parte I

Naquela altura, o álcool e a música alta já conseguiam controlar a minha mente e afastar todos os meus pensamentos ruins. Isso era bom, mas o problema é que o álcool também afastava todo a minha noção de certo e de errado. Eu estava lá no meio da pista improvisada de dança improvisada na sala da casa de um dos meus amigos, com uma garrafa pela metade presa aos dedos, na outra mão um cigarro de filtro vermelho fortíssimo que eu provavelmente teria recusado se estivesse em meu estado normal, me mantinha com os olhos bem fechados, dançando ao ritmo das batidas, sentindo o chão tremer abaixo dos meus pés conforme a música me conduzia e toda aquela vibração deliciosa tomava conta de todo o meu corpo.
Eu não me importei quando senti a presença de alguém perto de mim, apenas abri lentamente os meus olhos para ver quem era. Eu tinha um milhão de motivos para sair dali e arrumar qualquer outra coisa pra fazer, outra pessoa pra conversar ou até mesmo pra transar, mas a vagabunda estava excepcionalmente linda naquela noite, eu não pude evitar. Eu estava bêbada e provavelmente chapada, eu já nem sabia mais e ela estava ali, dançando na minha frente e chegando cada vez mais perto. Me provocando como bem sabia.
Foda-se, é isso que a gente diz pra nossa consciência quando ela começa a encher o saco. Costuma funcionar apenas quando você está bêbado o suficiente para que sua consciência perca a sua função para os desejos insanos do seu corpo.
Eu já estava perto dela e não estava realmente me importando nem com o que meus amigos iriam dizer na manhã seguinte e muito menos com o que eu iria sentir depois. Provavelmente eu iria me foder, mas na minha situação, não dava pra fazer outra coisa além de rir da minha desgraça.
Entreguei a minha garrafa pra ela, mas não dissemos nada por um bom tempo, ela só sorria e dançava, eu já havia terminado o meu cigarro ou perdido ele no frenesi dos meus movimentos, eu já nem sabia mais, perdia também a noção do tempo quando estava assim. Ela sorria com os olhos também, enquanto virava a minha garrafa de vodka pura em seus lábios e piscava cheia de malícia para mim. Logo ela que sempre reprovou os meus hábitos tortos, mas isso era mais um motivo pra rir e aceitar a garrafa de volta. E beber, tudo era um ótimo motivo pra beber.
A aproximação ali era quase involuntária e eu até que apreciava a facilidade que ela tinha em transformar qualquer coisa em um jogo sensual e malicioso. Claro que uma dança era obviamente o melhor lugar para jogar o seu charme todo em cima de mim. Eu não cairia nessa se estivesse sóbria, mas eu não estava.
O engraçado de quando você bebe é que, ao contrário do que pensam as pessoas ou ao contrário da desculpa que insistem em usar, você tem plena consciência das escolhas burras que faz ou das coisas idiotas e sem noção de pudor que você faz sob o efeito do álcool e você não esquece coisa alguma, você apenas perde aquela parte chata no seu cérebro que insiste em dizer que você não deve fazer isso, que deve se envergonhar daquilo e blá blá blá. O arrependimento de uma escolha ruim nada tem a ver com a quantidade de álcool que você ingere em uma noite, ele tem a ver apenas com os desejos que você reprime até onde consegue e logo percebe que não consegue mais segurar os seus instintos e desejos.
E que desejos eram estes! Uma vez que a minha percepção de tempo e espaço brincaram novamente com a minha realidade e eu não percebi o momento em que as mãos dela já estavam em minha cintura, as coxas me provocavam em uma dança que envolvia o corpo todo. Aquele tremor causado pelas batidas da música agora se misturavam ao tremor do meu próprio corpo e logo era o calor que eu sentia arder em minha pele.
Eu também sabia jogar quando queria, não sei nem em qual momento abandonei aquela garrafa, mas as minhas mãos estavam livres e isso foi o suficiente para que eu pudesse prender meus dedos entre os cabelos dela e puxá-la para perto de mim. Ela não fez objeções quando nossos lábios se tocaram e o beijo que nós trocamos foi tão feroz e cheio de sede e desejo que eu não me admira muito que a maioria das pessoas tenha parado por um ou dois instantes para nos observar como se nós duas fôssemos um grande espetáculo.
Pudor é outra coisa que a gente perde bem fácil quando tem álcool, nicotina e sabe-se lá o que mais correndo pelas suas veias e fazendo tudo pulsar mais depressa. Foi essa falta de pudor que fez com que eu a puxasse pela mão para um canto mais afastado da casa e empurrá-la contra uma parede. Foi essa mesma falta de pudor que manteve meus lábios por um bom tempo na pele dela, até poder ouvir alguns gemidos baixinhos, abafados. Ela era tão orgulhosa quanto eu, eu sabia disso. Mas assim como eu sabia, eu também sabia exatamente onde tocá-la, onde eu deveria colocar as minhas mãos, onde eu deveria beijar, sabia exatamente o que fazer para deixá-la excitada. Se eu não fazia, era apenas pelo prazer de ouvir ela pedir em uma voz abafada e rouca.
E como eu gostava daquela voz…
Eu até poderia ter repensado essa decisão e certamente mesmo naquele estado eu teria desistido, mas eu não queria, eu já estava provocando a mim mesma nessa brincadeira de provocá-la, eu precisava de muito mais, eu queria muito mais. Então eu não repensei, eu apenas puxei a menina pela mão pelas escadas, quase tropeçando em um ou duas pessoas que resolveram que ali seria um ótimo lugar para dormir. Em um momento de distração, ela acabou tomando um pouco de controle da situação, enquanto eu tentava encontrar uma porta livre, eu sentia os seus beijos provocantes em meu pescoço e a respiração demorada perto da minha orelha, ela também sabia como me provocar, sabia os meus pontos fracos, sabia, inclusive, que o meu maior ponto fraco era ninguém menos que ela própria. E se aproveitava disso como uma predadora faminta.
Uma porta aberta foi o suficiente para que eu pudesse recuperar a minha posição naquela brincadeira toda, minhas costas colidiram com a porta e logo nós estávamos nos beijando como antes, a língua dela brincando com a minha como velhas conhecidas, enquanto eu tentava me livrar do zíper atrás da imitação de corset que ela usava. Eu era bem habilidosa com as roupas, geralmente, mas a minha habilidade se comprometia um pouco quando era o álcool quem fazia a maior parte do trabalho do meu cérebro, principalmente em relação às minhas decisões.
A peça de roupa escorregou pelo corpo dela e logo ela seguiu o ritmo que eu ordenei sem precisar dizer, o corpo dela foi deslizando para a cama, até que ela estivesse sentada ali. Eu não precisei ser muito delicada para me livrar da saia que ela estava usando, mas tirei um milésimo de segundo que ela sequer deve ter percebido para apreciar a sua lingerie, antes de me livrar disso tudo rapidamente. Eu estava tão empolgada, que quase não percebi que ela também tinha dado um jeito de se livrar da minha camiseta e do meu sutiã. Eu mesma dei um fim em minha própria calça e a empurrei para trás, deixando que meu corpo se posicionasse sobre o dela, eu estava de joelhos na cama e ela estava rendida à mim, entre as minhas pernas.
Meus lábios traçaram um caminho tortuosamente lento do pescoço dela até um de seus seios, enquanto eu acariciava o outro com uma das mãos. Eu já podia ouvir ela gemer baixinho com isso, eu sabia que ela gostava de como eu a tocava, simplesmente porque eu sabia o que eu estava fazendo.
Eu continuei descendo os meus lábios, traçando um caminho pela sua barriga - parte que eu mais gostava em seu corpo - deixando pequenas mordidas pela pele, enquanto minhas unhas arranhavam as laterais de seu corpo. Meus dedos pressionavam as suas coxas com força, enquanto meus lábios e minha língua percorriam cada centímetro da sua pele. Eu sorria para mim mesma quando ouvia ela gemer ou quando ela contorcia o corpo, rendendo-se completamente aos meus toques. Eu não me importava que ela não fosse fazer o mesmo por mim, eu gostava dessa forma, eu gostava de saber que eu ainda conseguia dominá-la da mesma forma.
Aquela noite pode ter durado horas, mas eu não saberia. Eu brinquei com ela, como bem entendia, eu sabia exatamente o que eu deveria fazer para mantê-la como eu queria e também sabia como deveria proceder para que ela se entregasse por completo, exatamente no momento em que eu desejasse.
Ela gemeu meu nome, como se não pudesse evitar aquele gemido. Ele saiu estrangulado, um gemido que tinha intenção de ter sido contido, mas não teve chance de ser reprimido, escapou, alto e sonoro e eu sabia que tinha conseguido rendê-la totalmente. O gosto dela estava impregnado em mim e era doce.
A minha cabeça girava, deveria estar há uns 200 km/h, provavelmente. A respiração dela era forte, contínua, até o momento em que ela começou a rir e eu acabei rindo também, foi um riso gostoso, um riso que eu não ouvia fazia muito tempo.
Não faço ideia de quem era aquela cama, mas puxei o lençol para que nos cobríssemos e ela me beijou inesperadamente assim que eu soltei o tecido sobre nossos corpos. E mais inesperado foi o caminho dos dedos dela pelo meu corpo, sutis, no início, mas alcançaram o seu destino pretendido e não foram tão gentis. Foi a minha vez de ceder, de gemer, de estrangular suspiros altos e afogar os meus gemidos contra os lábios dela entre beijos e toques. Ela também sabia onde me tocar e sabia exatamente como me controlar, sabia que naquele momento ela era a minha rainha e que eu estava absolutamente sob o seu controle.
Quando ela quis, ela acertou exatamente onde era necessário e aquilo foi o suficiente para que eu me desmanchasse em suas mãos. O beijo que veio em seguida foi violento, como se ela e eu quiséssemos sugar a vida uma da outra. Talvez eu realmente quisesse naquele momento.
Não trocamos uma palavra sequer, mas os nossos olhos se cruzaram por um tempo relativamente longo. Ela se aconchegou em meus braços, embora ela fosse a mais alta entre nós duas, sempre sentia como se fosse eu quem a protegesse do mundo e não o contrário. Talvez eu não devesse, mas não pude impedir meus dedos de acariciar seus cabelos até que o sono nos rendesse.

Parte II

Eu costumava acordar lentamente quando ia a esse tipo de festas, porque sempre tinha receio do que encontraria ao meu lado quando abrisse os olhos. Deveriam ser umas cinco da manhã, porque ainda não tinha amanhecido totalmente. Pelos meus cálculos, olhando ao redor, eu estava no quarto do meu amigo, que havia dado a festa.
Medo. Aquele típico medo de ter transado com o seu melhor amigo depois de ter secado uma garrafa de vodka e não saber como proceder ao acordar.
Olhei lentamente para o lado, onde pude ver que na realidade, quem dormia ao meu lado, totalmente nua e de costas para mim, não era meu melhor amigo, mas sim a minha ex namorada, Emily.
Puta que pariu, Alexia! Puta que pariu!!
A consciência é uma puta impiedosa quando ela volta a funcionar depois de uma noite de bebedeira e sabe-se mais o que. Eu devia ter usado alguma coisa, eu lembro vagamente de algo entre o banheiro, a pista, os cigarros. Mas era tudo muito embaçado, sem foco.
Tudo, menos os flashes estupidamente nítidos do momento em que Emily chegou em mim na pista de dança até o momento em que caímos no sono depois do sexo.
Eu tentei levantar da cama sem fazer barulho, mas não sei nem porque eu fiz isso, porque se ela acordasse, pelo menos seria mais fácil de dizer que estava na hora de ir embora e pronto, ficaria por isso mesmo. Mas eu simplesmente não queria que ela acordasse, eu queria apenas achar um cigarro e pensar na bosta que eu havia feito. Vesti a primeira calcinha que encontrei no chão, sem saber nem se aquela era minha ou dela.
Eu conhecia o quarto e conhecia melhor ainda o meu melhor amigo, sabia em quais gavetas ele escondia seus cigarros e sabia onde ele guardava o seu sagrado cantil cheio de Whisky. Acendi o cigarro e traguei profundamente, sentindo a culpa abandonar o meu peito apenas para dar espaço à nicotina, que faria seu papel de torrar parte daquelas memórias errôneas da noite passada.
Caminhei até o toca-discos velho que meu amigo tinha no quarto e passei os dedos pela coleção pequena de vinis que ele tinha. Sorri comigo mesma ao lembrar de alguns momentos divertidos em que nós dois ficamos a tarde toda trancados no quarto, fumando maconha e ouvindo um bom Bob Dylan em vinil e rindo das imagens disformes das tábuas no teto.
Acabei colocando um disco qualquer ao acaso, me dando conta de que era música nacional quando o som começou a se reproduzir e encher o quarto, embora não muito alto, de forma suave.
Olhei para o lado da cama, Emily havia mudado de posição, mas ainda dormia. Os cabelos jogados no rosto e apenas um dos seios descobertos, assim com as suas coxas também mostravam toda a pele que não estava protegida pelo lençol. Eu precisei acender outro cigarro, com a brase do que ainda estava tragando e fechei os olhos, encostando a cabeça no armário, onde eu estava sentada, bem perto do toca-discos.
Era verdade o que eu disse na noite anterior sobre não esquecer das péssimas decisões que nós fazemos. A gente lembra sim, lembra perfeitamente daquilo que fez, daquilo que quis fazer e daquilo que deixou de fazer. E eu lembrava de tudo, desde a dança, o beijo na sala, o desejo que só crescia entre nós duas e toda a sucessão de eventos. Isso fez com que eu levasse o cantil aos lábios e colocasse para dentro um gole demasiado grande de Whisky. A sensação de queimação em minha garganta, já tão conhecida servia quase como penitência para o que eu havia feito.
Eu olhei novamente para o lado da cama e lá estava ela, dormindo com uma expressão calma, tal como ela era. Mas olhar para o rosto de Emily não trazia apenas as boas lembranças que eu tinha dela, olhar para o seu rosto também trazia à tona todas as péssimas recordações que eu tinha de encontrá-la na rua acompanhada de outra pessoa, as péssimas recordações das nossas brigas intermináveis, coisas que eu adoraria esquecer, mas não poderia. Não conseguiria nunca.
Tentando fazer o menor barulho possível, tentei colher as minhas roupas espalhadas pelo chão e vesti-las, tentando manter os meus olhos presos na garota que estava dormindo tranquilamente na cama.
Quando já estava vestida, puxei o lençol para cobrir um pouco mais do seu corpo e acendi outro cigarro quando me afastei, observando o corpo dela e em como aquele corpo era belo.
Respirei fundo e resolvi que não se pode tomar péssimas decisões, sem péssimas consequências. Me sentei do lado oposto na cama, observando a fumaça leve que abandonava o meu cigarro. O chiado e o arranhadinho típico e gostoso do vinil davam à toda a cena um ar um pouco mais bonito.

A canção no vinil seguia assim:

"Por mais que eu queira insistir, nosso tempo acabou. Eu tenho que admitir que isso não é mais amor. Tarde da noite você não é mais a mesma pessoa que eu amei acima de tudo e nada disso foi à toa. Vendo o sonho morrer eu pude perceber, você dormindo hoje ao meu lado é um cigarro aceso queimando o meu braço."

Eu observei o cigarro entre os meus dedos, observei a minha pele. Por um segundo tive vontade de sentir a sensação de dor física, para ver se aquilo realmente aliviava a dor do espírito, se realmente tiraria o peso da minha consciência. Olhei novamente para Emily respirando de forma tranquila em seu sono. A minha cabeça parecia uma bomba relógio pronta pra explodir.

"As lembranças são tão cruéis, mas um dia vão seguir adiante. O futuro é um quarto escuro e a culpa, dilacerante."

Eu me afastei devagar, olhei para ela uma última vez e saí pela porta. Não sei se ela acordou depois, não sei que horas acordou e que horas foi pra casa. Eu não olhei pra trás, eu apenas fui embora sem dar satisfações à ninguém.

"Vendo o sonho morrer, eu pude perceber… Você dormindo hoje ao meu lado é um cigarro aceso queimando o meu braço."

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